Livres e tranquilos, como peixes dentro de água ou, melhor dizendo, como Viriatos em plena guerra.
Levados ao colo pelo espírito de rendição, mudança e lealdade às suas gentes, os academistas entraram num campo matinal com sotaque do Norte, onde morava até então o conquistador do pelotão da frente da tabela classificativa. Penafiel, de seu nome, encarava-nos no Municipal 25 de abril sem qualquer derrota para o campeonato na presente temporada, mas com mais 120 minutos nas pernas, após a eliminação caseira da Taça na passada segunda-feira. O líder partia em vantagem teórica mas, deste lado, existiam contas a acertar com o destino e com a sorte. E que melhor forma de o fazer, senão numa manhã de névoa, onde as somas e subtrações do passado estavam em jogo?
O começo da batalha desenrolou-se em todos os pontos possíveis do seu campo. No meio-campo, na defesa ou na metade atacante, os duelos pela posse iam intensificando-se até às primeiras duas aproximações das balizas: aos oito, Clóvis cabeceou frouxo antes de, 11 minutos depois, disparar com pólvora seca um remate fácil para o guardião Manuel Baldé.
A resposta dos da casa apareceu entre nuvens em cima da primeira meia hora, mas o remate de João Silva subiu demasiado e não afetou o nosso príncipe esloveno entre os postes. No entanto, os bravos viseenses eram mais intensos, tinham mais bola e trocavam-na melhor entre si. Yuri Araújo, de braçadeira envergada, conduzia as operações lá na frente, mas nem um segundo cabeceamento de André Clóvis aos 33 (o que seria se marcasse neste minuto), nem o facto de ter aparecido, em cima dos 45, frente a frente com o guarda-redes penafidelense, foram capazes de mudar o rumo dos acontecimentos do primeiro tempo.
0-0 e tudo para os balneários.
A segunda parte prometia tudo aquilo que conseguíssemos desejar ao intervalo, e quem pediu dois golos sem resposta teve a sorte grande. Apesar da boa entrada do Penafiel, com oportunidades nos pés de Gabriel Barbosa, Robinho e João Miguel, o Académico mantinha a superioridade na posse e, acima de tudo, inverteu uma tendência de brutal importância no seu jogo: a tranquilidade e coesão defensivas. Serenos e conscientes da sua valia, vislumbraram a investida contrária, sustendo a respiração e unindo esforços, aspetos que reconstruiram a muralha Beirã.
Podendo respirar de novo, era hora de responder em força e, a quinze minutos do fim, o grito mais bonito do futebol foi entoado com sotaque academista. Numa enormíssima jogada coletiva, Samba Koné fez o esférico sobrevoar até ao lado direito do movimento ofensivo, onde Paulinho surgiu em pezinhos de lã. O lateral subiu à linha final e levou na frente tudo e todos, até cruzar para uma defesa incompleta do guarda-redes, que precedeu o desvio final de André Clóvis para o 0-1.
Impotentes nos minutos seguintes, os nortenhos não mais ameaçaram a baliza de Gril, que de longe viu, aos 87 minutos, a estocada final. De um livre lateral de Gautier, Sori Mané ganhou na dividida aérea, que levou a bola à altura perfeita. Sem deixá-la cair, e com recurso ao pior pé (o esquerdo), Samba Koné rematou de primeira e fuzilou (quase literalmente) a baliza adversária, completando a sua estreia a marcar pelo Académico de Viseu em jogos oficiais.
A cereja no topo do bolo só ficou corretamente colocada quando, no jogo em que Yuri Araújo se tornou no internacional com mais jogos de sempre pelo emblema beirão (195), Simão Silva também conheceu um dos momentos da sua jovem carreira: após a estreia pela equipa principal na Taça de Portugal, cumpriu hoje o primeiro jogo nas competições profissionais.
Esta é uma história de luta, confiança, competência mas, sobretudo, de liberdade. Liberdade de pensamento, de qualidade, liberdade das amarras do passado. Liberdade de acreditarmos de, no futuro, sermos e sonharmos com o que quisermos. Fiquem desse lado e esperem pelos próximos episódios. Avante, Académico.